Reação ao suposto
problema de saúde do ex-ministro reflete o nível do debate político no Brasil,
onde mensagens de ódio extremo são tratadas com naturalidade
Algumas das mensagens de ódio atingiram
mais de dois mil "likes" no Facebook em duas horas
No final da tarde desta
sexta-feira 27 José Dirceu deu entrada em um hospital de Brasília com a
suspeita de estar com um princípio de AVC. Sem maiores detalhes sobre o
estado de saúde do ex-ministro, sites publicaram a notícia e a publicaram em
suas redes sociais.
Foi o suficiente para
uma enxurrada de comentários de ódio brotarem nas redes sociais pedindo a morte
de Dirceu, muitas delas com requintes de crueldade. Outros pediram também a
morte da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula. Abaixo reproduzo alguns
comentários que conseguiram, o apoio de mais de 500 pessoas (“likes”) em apenas
duas horas de Facebook:
“Você vai conseguir
vencer essa! Força AVC!!”
“Estamos juntos AVC.
Não mata não por favor, só deixa ele vegetativo, cagando na cama.”
“Morre que passa.”
“#SomosTodosAVC”
“O demônio tá vindo
buscar!”
“A Dilma leva
vantagem pois como não tem cérebro nunca vai ter AVC!!!”
“Que morra e volte para
buscar Dilma e Lula.”
“A chapa quente do
inferno tá prontinha pra ele a para o molusco.”
São frases fortes, e
peço desculpas por reproduzi-las. Acredito, contudo, que neste caso a
reprodução é justificável, para ilustrar o tamanho da irracionalidade e do
ódio.
Curiosamente, muitos
dos perfis autores destas mensagens ou seus apoiadores são pessoas que se dizem
cristãs e têm imagens religiosas em meio a seus perfis. E ainda defendem a paz,
a família, um mundo melhor...
Muitos dos
comentários inclusive evocam a religiosidade para pedir a morte de José Dirceu:
“Glória a Deus, minhas
preces foram atingidas.”
“Deus é pai, aqui se
faz, aqui se paga.”
"DEUS. Faça ele ser atendido no SUS
por um dos médicos cubanos que dará o diagnóstico de virose e ele será enviado
para casa e morrerá dentro de poucas horas. Amém!"
Não quero entrar no mérito sobre a
conduta de José Dirceu, o que ele fez ou deixou de fazer. Não é disso que se
trata esse artigo. Também não defendo a censura de ninguém. Tampouco pretendo
atacar a fé de quem quer que seja.
Este breve texto é apenas um convite à
reflexão. A que ponto chegamos? Quando perdemos totalmente nossa humanidade a
ponto de ser normal alguém falar publicamente algo como “Não mata não, só deixa
ele vegetativo, cagando na cama” e receber o apoio de mais de mil
pessoas em menos de uma hora?
Como será possível continuarmos
debatendo não apenas política, mas qualquer assunto nesses termos? É com este
tipo de debate sério que iremos melhorar o Brasil?
E, o pior de tudo, a publicação deste
artigo deverá gerar ainda mais mensagens de ódio, comprovando que quem está
doente não é o ex-ministro. É a sociedade.
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